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Os camelos também choram

Os camelos também choram

Direção- Byambasuren Davaa e Luigi Falorni

Elisabete Christofoletti
Psicóloga, mestre em educação, trainee da SBPA.

Produzido em 2003, trabalho final do curso de cinema onde os diretores Luigi Falorni e Byambasuren Davaa eram alunos em Munique. Concorreu ao Oscar e ao Globo de Ouro de melhor documentário.

Mas, afinal sobre o que fala? Sobre a relação entre pais e filhos; a relação entre gerações; a harmonia entre homem e natureza; rituais; a união dos opostos, do novo e o velho; persistência e sensibilidade; o papel do analista; sobre busca e sacrifício; sobre Camelos…sobre cada um de nós ou ainda de nossa humanidade… Sem heróis ou grandes batalhas, vivenciamos a luta pela aceitação do si mesmo, os próprios sentimentos, do outro dentro e fora de nós.

Ao Sul da Mongólia, no Deserto Gobi somos conectados com imagens que acessam e alimentam a alma, o cotidiano de uma família de nômades, onde acolhimento, cuidado, paciência, generosidade, persistência, tolerância são vivências profundas, como o trabalho do analista. Em meio à delicadeza e o rude, o contato com o belo é estabelecido.

Acompanhamos o nascimento dos Camelos, os rituais deste povo para que os filhotes possam nascer saudáveis, mas o último parto, que é o primeiro de uma Camela, foi muito difícil, nascendo um filhote Albino que é rejeitado pela mãe. A comunidade aceita a mãe Camela e suas dores, passando a buscar formas de aproximação, buscando a aceitação da mãe pelo filhote. Sem resultados a comunidade decide pelo ritual Hos, que só pode ser executado por um experiente professor de música.

A não dissociação destas pessoas, a harmonia com que instinto e sabedoria estão vinculados, faz com que respeitam o filho mais jovem Ugna quando solicita o direito de passar por seu processo de iniciação, ampliando seus horizontes, fazendo sua jornada de conhecimento.

Durante o ritual Hos, a mãe Camela é levada a ouvir, a conectar-se com a voz de seu coração, que emana do mais profundo e é reproduzida pelo professor de música, acompanhada pela voz e toque de uma das mulheres da comunidade, pacientemente e repetidamente até o momento em que chora e consegue fazer o re-conhecimento e aceitação do filhote.

Nós, analistas, podemos aprender muito com esta comunidade, explicitam nossas vivências quando recebemos pessoas fragilizadas, sem força, sem vitalidade, que tiveram seus Chifres roubados, como na lenda. Pessoas que iniciam seu processo de peregrinação e de re-conhecimento de seus tantos filhotes que nasceram a fórceps muitas vezes, que provocaram tantas dores, que provocaram um distanciamento de nós mesmos.

É necessário um experiente e competente professor de música, para acessar a alma e a cura de suas mais profundas feridas. Os sentidos são reordenados pelo som que vem de dentro, para que no deserto, na aridez de nossa vida, possa tocar em nossa humanidade.